Síndrome do impostor na dermatologia veterinária
- Aline Santana
- 14 de jun.
- 3 min de leitura
Recentemente li um artigo (referência abaixo) que discutia como o conhecimento e a confiança influenciam o tratamento da dermatite atópica canina. Esta é uma das doenças mais comuns na rotina clínica dermatológica, além de ser uma das mais desafiadoras.
Nesse estudo foram aplicados questionários para estudantes de veterinária do último ano, residentes em dermatologia, especialistas na área e clínicos gerais. Os questionários tinham como objetivo avaliar a relação entre o nível técnico, experiência dermatológica e confiança no tratamento da Dermatite Atópica Canina (DAC).

O que a pesquisa mostrou?
Apesar dos estudantes e clínicos gerais recém-formados possuírem conhecimento teórico adequado sobre os tratamentos para a DAC, eles ainda apresentavam uma confiança significativamente menor ao aplicar esses tratamentos. Além disso, segundo os autores, as respostas dos participantes mais experientes, como especialistas, eram mais decisivas e consistentes.
Conhecimento teórico não é tudo
Os autores discutem que o conhecimento teórico per si não é o único fator determinante para o sucesso do tratamento. Ainda que o profissional tenha a base de conhecimento teórico, sem a confiança necessária para aplicar esse conhecimento de forma eficaz, ele pode hesitar em tomar decisões assertivas ou até mesmo se sentir inseguro ao escolher o melhor tratamento para o caso. Outro ponto discutido é que a confiança também influencia a maneira como o profissional comunica suas escolhas para os tutores, o que pode impactar significativamente a adesão ao tratamento e a relação de confiança entre o veterinário e o tutor.
Como corrigir isso?
Os autores sugerem que além de construir a base de conhecimento teórico, é fundamental a prática clínica aplicada e idealmente o acompanhamento do treinamento por mentores. O aprendizado prático sob orientação consolida o conhecimento técnico e cria oportunidades onde os futuros profissionais podem obter feedback e se sentirem mais confiantes ao tomar decisões clínicas.
Além disso, a prática orientada cria janelas de oportunidade onde os futuros profissionais podem discutir casos, tirar dúvidas e assim ter uma aprendizagem mais profunda e contextualizada. Por fim, a ideia de mentoria seria uma abordagem integrada que combina conhecimento técnico e suporte emocional, onde os mentores de forma ainda mais personalizada ajudariam os mentorados a reconhecerem e aflorarem suas habilidades e a superarem as inseguranças que podem surgir durante a prática clínica. Um olhar de um mentor experiente e comprometido com o processo de ensino certamente identifica isso com facilidade.
Conclusão
Além do conhecimento técnico, fortalecer a confiança desses futuros profissionais é igualmente importante para o sucesso do tratamento. A confiança influencia diretamente a tomada de decisões clínicas e a capacidade de lidar com situações desafiadoras.
Minha opinião
Achei excelente esse artigo discutir e demonstrar que a prática clínica dermatológica envolve uma grande soma de habilidades que vão desde hard skills (habilidades técnicas) até soft skills (habilidades comportamentais) que são igualmente importantes. Durante a minha graduação e pós-graduação eu tive a oportunidade de ser mentorada por grandes profissionais que não só me ajudaram a aprender mais sobre dermato, como também me ajudaram a afiar meu raciocínio crítico, a me comunicar melhor, a desenvolver resiliência e tantas outras habilidades que contemplam a prática clínica. E o mais importante, o modelo de atuação deles não só me formou como também me inspirou como profissional e pessoa.
O meu anseio é que os futuros veterinários ou até mesmo veterinários formados que desejam seguir carreira na dermatologia, busquem com diligência instituições de ensino comprometidas. Ter acesso a graduações e pós-graduações que contemplem base teórica adequada e atualizada, prática clínica orientada e se possível mentoria, é o cenário ideal para formar novos profissionais capacitadostanto em hard quando soft skills. Um bom dermatologista não nasce do dia para a noite. E a busca da excelência profissional é um processo contínuo, constante e ininterrupto.
Referência
Wilson G, Nuttall T, Shaw DJ. Imposter Syndrome in Veterinary Education? How Knowledge and Confidence Affect Treatment of Canine Atopic Dermatitis. J Vet Med Educ. 2024 Dec 20:e20230167. doi: 10.3138/jvme-2023-0167. Epub ahead of print. PMID: 39705021.
Sobre a autora
Dra Aline Santana é médica veterinária formada pela Universidade Federal de Viçosa, com residência em clínica médica de pequenos animais pela mesma instituição. Possui mestrado e doutorado em Ciências pelo Departamento de Clínica Médica da FMVZ/USP, com período de intercâmbio realizado no exterior (University of Minnesota, Estados Unidos). Desde 2012, Dra. Aline Santana é sócia da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária (SBDV). Durante o período de 2015 a 2021, atuou como diretora de mídias e colaboradora da SBDV.